maio 02, 2006

Silvério e a Rosa

Silvério acordou naquele dia com um sorriso nos lábios. Tudo estava vibrante, até mesmo aquela manteiga rançosa parecia agora deliciosa como nunca. O sol tinha um brilho especial, estava com um tom alaranjado forte. O ferro de passar estava a todo vapor, afinal ele estava saindo para encontrar aquela que já significava mais do que tudo de valor que ele possuía, era seu grande amor. Foram tantas conversas por email, msn, webcam, telefone, ufa! Claro que muitas pessoas falam que isso tudo é furada, mas não com Silvério. Ele tinha certeza que encontrara algo definitivo e que mudaria sua vida. A Rosa. Não era simplesmente um nome, era um perfume que Silvério já sentira à distância e se embriagara durante meses.

Agora é sério, Silvério está dirigindo seu carro, um fusca que ele comrpou de segunda mão especialmente para causar a melhor das impressões para sua amada. Não que ele a achasse interesseira, jamais, apenas queria poder desfrutar com ela os mais gostosos momentos com passeios de carro, fazer lindas viagens. Ah, o amor...

Chegando à cidade onde Rosa morava, parou numa floricultura e comprou o mais belo buquê de rosas vermelhas que ele podia pagar. A vendedora, muito tímida, magrinha, feinha, mirradinha (muito diferente da exuberante Rosa, pensou Silvério) lhe lançou um sorriso e um olhar penetrante, que encheu Silvério de orgulho mas não foi capaz de tirá-lo de seus objetivos, nunca, imagine!

Mas Silvério estava tão ansioso que resolveu chegar primeiro ao endereço da residência de Rosa, em baixo do prédio e ver onde sua amada morava, antes de se dirigir ao restaurante onde marcaram o grande e primeiro encontro. Saiu do carro e ficou escondido atrás de uma árvore, em direção à entrada. Fitou de longe aquela construção elegante, olhou todas as janelas ansiando ver sua amada pousada no parapeito de alguma delas. Nisso vê uma moça saindo do prédio, era ela. Sim, era a sua linda e amada Rosa.

Silvério reconheceu aqueles cabelos castanhos e longos, olhos grandes e a pele alva. Num ímpeto de ir ao seu encontro, Silvério parou e viu um homem barbudo se aproximando rapidamente. Não podia acreditar no que estava vendo. O homem barbudo e Rosa se beijavam apaixonadamente.

E então Silvério ficou ali paralisado sem entender nada. Tudo à sua volta girava e o sol perdera a cor. Seu corpo tremulo o avisara que era hora de partir, sumir, esquecer quem ele era. Correu para o carro e dirigia para não sei onde. Resolvera passar pelo restaurante, ainda tinha o endereço no bolso da calça. Com suas mãos suando frio dirigia mecanicamente aquela máquina que era a única coisa que parecia ainda ter vida naquele momento. Parou em frente ao restaurante e ficou olhando para o nada. Nisso vê uma moça se aproximando da porta de entrada apressada. Ele já vira tal moça antes, ficou curioso. Resolveu sair do carro e ir atrás dela, mas ela já entrara no restaurante. Silvério foi atrás, entrou no estabelecimento e reconheceu a moça da floricultura que já estava sentada à mesa perto de uma janela.

Ele não sabia mais o que estava fazendo ali, mas resolveu sentar-se e interpelá-la, estava confuso e curioso. A moça lhe contou que ela era a Rosa com quem ele trocara todas as cartas e emails e que a moça da webcam é que era sua irmã, quem ele vira beijando o barbudo. Como entender aquilo, pensou Silvério? Não sabia se ficava enfurecido ou agradecido, ao mesmo tempo não sabia se realmente se alegrava por estar ali. Estava tonto. A Rosa não era a Rosa e ao mesmo tempo era. A moça que estava à sua frente falava-lhe tão doce, exactamente como na troca das correspondências e ao telefone, mas confessava que teve medo dele se decepcionar com sua aparência, por isso pediu ajuda de sua irmã Célia.

Após alguns minutos de conversa, Silvério estava se sentindo outro, percebeu finalmente que sua Rosa estava ali, apenas não tinha a aparência que ele imaginava, mas sua voz suave e mansa, suas palavras adocicadas davam nova tonalidade alaranjada aos raios de sol que insistiam penetrar pela janela do restaurante.

O tempo passou e num dia de outono, porém de sol, Silvério e Rosa comemoram 50 anos de casados. Célia, irmã de Rosa, orgulhosa da felicidade de sua irmã, cunhado, sobrinhos e sobrinhos-netos, conta a história dos dois ao microfone no salão de festas do clube da cidade. Ao final, os quatro filhos e 8 netos do casal se aproximam de Silvério e Rosa, cada um com um buquê de rosas vermelhas. Silvério levanta-se com dificuldade e sem ajuda de texto pronto se dirige ao microfone e, num discurso emocionado, diz ao final: "O amor é como um raio de sol, mesmo que não se queira enxergá-lo, ele existe e se fará presente; basta você deixá-lo entrar".

Por Christina M. Herrmann

Leitura, muito prazer

A leitura é um velho hábito que acompanha a humanidade. Onde quer que exista uma comunidade, existirá alguma forma de passagem de informação por meios verbais e não-verbais.

Por que temos essa necessidade? O que levou o famoso homem da caverna a colocar sua mão na parede de pedra e gravar seus primeiros rabiscos?

Talvez o sentimento que temos ao terminar o primeiro livro preferido explique um pouco. Qual terá sido mesmo? Agora são tantos! No início, apenas revistas em quadrinhos ocupavam o espaço da leitura.

Começamos devagar, buscando imaginar o que aquelas formações de letras estão querendo nos passar. Aos poucos formamos imagens, depois ações e, finalmente, emoções.
E então, sem percebermos, algo mágico já se instalou. Habitamos agora mundos mágicos sem fim, dramas e romances açucarados, histórias de mil e uma noites... Debruçados vivemos em cima do livro empoeirado e com os olhos ardendo de sono porque não existe outro momento disponível no dia.

Ler é se mover sem sair do lugar. É experimentar sem tocar. É visitar sem estar lá. É expandir horizontes internos. Existe reencarnação? Existe quando vivemos outras vidas e outras épocas através da leitura!

Por mais que um filme ou imagem possam ser agradáveis, não dá para compará-los com a leitura.

Você viu no filme Guerra nas estrelas o sorriso irônico de Darth Vader sob a máscara? Você sabia que Gandalf era um enviado dos deuses da Terra Média para ajudar os povos? Milhares de detalhes, gemas preciosas escondidas dos olhos desatentos...

Aquele que descobre essas gemas escondidas em textos sente-se um conquistador. A ele pertence o conhecimento e outros ouvirão boquiabertos suas histórias.

O mundo da literatura é muito mais vasto que o cinema ou televisão juntos, porque o livro atinge o canal mais profundo do ser: a imaginação.

Talvez um dia alguém invente um prazer melhor que a leitura. Até lá, esperarei sentada: lendo...


Por Solange Firmino

Internetês


A Língua Portuguesa mudou através dos séculos. E continua mudando. A forma de tratamento “Vossa Mercê” sofreu mudanças lingüísticas até a forma “você”, que continuou mudando até a pronúncia “cê vai?” e a actual escrita dos usuários da internet: “vc”.

Uso de abreviação na fala e na escrita não é novidade. Neologismo também não. A todo momento surgem grupos que criam seu próprio vocabulário, com palavras que às vezes se tornam gírias, como muitas expressões faladas pelos surfistas e outras “ galeras ”, “ tá ligado ?”. Alguns diálogos são até inacessíveis a pessoas que não fazem parte de alguma “tribo”.

Os usuários da internet utilizam uma linguagem própria nas salas de bate-papo. Encurtaram palavras, retiraram acentos, pontuações e criaram mais um fenômeno de variação lingüística, o internetês, uma espécie de dialecto do mundo digital com palavras e abreviaturas que são verdadeiros códigos entre internautas.

Em um canal de TV por assinatura há uma sessão chamada “Cyber Movie”, que exibe semanalmente filmes com legendas em internetês. Em alguns segundos é possível ler palavras como naum (não), kra (cara), fazendu (fazendo), estaum (estão) e D+ (demais), o que pode deixar confusa uma pessoa que não faça parte do contexto das conversas instantâneas.

É possível aprender estenografia, um tipo de escrita simplificada que aproveita melhor o tempo e o espaço, assim como o objetivo do internetês. Será que no futuro próximo haverá curso de internetês para ver os filmes ou entender o que os alunos escrevem? Aceito o dinamismo da língua, mas torço para que os cinemas não tenham a mesma idéia da TV por assinatura.

Acatar todas as grafias e falas “alternativas” e propagá-las na mídia é um exagero. Em Lingüística, aprendemos noções de variedade lingüística. E também de adequação. É preconceito lingüístico classificar os socioletos em certo e errado, de acordo com a norma padrão da língua, mas devemos ficar atentos com a adequação no uso da língua.

Vale mostrar nas escolas que a civilização não vai acabar com a expansão do internetês, mas o aluno tem que entender que a variação linguística permite escolhas adequadas e que essa linguagem é legítima, mas limitada a um tipo de interlocutor.

O internetês é uma espécie de variação da língua entre pessoas que utilizam a internet e sua característica é a agilidade e facilidade de escrita. O desafio é mostrar ao aluno que ele não pode produzir textos o tempo todo como se estivesse nas salas de bate-papo, ou seja, deve aprender a utilizar de forma adequada os diversos registros de linguagem, inclusive a norma culta.

Por Solange Firmino

maio 01, 2006

Como Jane Austen pode mudar sua vida

Alain de Botton escreveu um livro sobre Proust para mudar todas as vidas. Bom negócio. Nos últimos tempos, tenho pensado em Jane Austen para mudar a minha. Corrijo. Tenho pensado em mim, no meu bolso e nas histórias de Miss Jane para mudar as vossas. Assim é que é.

Acontece quando um amigo (melhor: uma amiga) entra aqui em casa com lágrimas nos olhos. Problemas sentimentais, por favor, não façam caso. Fatalmente, tenho sempre dois objetos sobre a mesa: uma caixa de lenços de papel e, claro, uma cópia de "Orgulho e Preconceito", o livro que Jane Austen publicou em 1813. Entrego o livro e, com palavras paternais, aconselho: Lê "Orgulho e Preconceito" e encontrarás a luz, meu amor.

Eles lêem e depois regressam, com a alma levantada, mais felizes que Mr. Scrooge ao descobrir que está vivo e é Natal. Inevitável. Jane Austen entendia mais sobre a natureza humana do que quilos e quilos de tratados filosóficos sobre a matéria.

Mas, primeiro, as apresentações: leitores, essa é Jane Austen, donzela inocente que nasceu virgem e morreu virgem. Jane, esses são os leitores (ligeira vênia). A biografia não oferece aventuras. Poderíamos acrescentar que morou com a família até ao fim. Que publicou os seus romances anonimamente, porque não era de bom tom uma mulher se entregar aos prazeres da literatura. E que suas obras, apesar de sucesso moderado, têm conhecido nos últimos anos um sucesso estrondoso e as mais díspares interpretações políticas, literárias, filosóficas, até econômicas. Já li textos sobre a importância das finanças na obra de Jane Austen. Sobre o vestuário. Sobre a decoração de interiores. Sobre os usos da ironia no discurso direto. Para não falar de filmes - mais de vinte - que os seus livros --apenas seis-- suscitaram nos últimos tempos. O último "Orgulho e Preconceito" foi recentemente filmado no Reino Unido, com Keira Knightley (suspiros, suspiros) no papel principal. Vai aos Globos de Ouro. Provavelmente, aos Oscars também.

A loucura é total. Jane Austen mal sabia que, depois da morte, em 1817, o mundo acabaria por descobri-la e, sem maldade, usá-la e abusá-la tão completamente. Justo. Considero Jane Austen uma das maiores escritoras de sempre. Incluo os machos na corrida. Sem Austen, seria impensável encontrar Saki, Beerbohm ou Wodehouse. Miss Jane é mãe de todos.

E "Orgulho e Preconceito"? "Orgulho e Preconceito" tem eficácia garantida para males de amor. Vocês conhecem a história: Elizabeth, filha dos Bennet, classe média com riqueza nos negócios (quel horreur!), conhece Darcy, aristocrata pedante. Ela não gosta da soberba dele. Ele começa por desprezar a condição dela --social, física-- no primeiro baile onde se encontram. Com o tempo, tudo se altera. Darcy apaixona-se por Elizabeth. Elizabeth resiste, alimentada ainda pelas primeiras impressões sobre Darcy. Darcy declara-se a Elizabeth, sem baixar a guarda do preconceito social. Elizabeth não perdoa o preconceito de Darcy e, ferida no orgulho, recusa os avanços. Darcy vai ao "Faustão". Não, invento. Darcy lambe as feridas e afasta-se. Mas tudo está bem quando termina bem: Darcy e Elizabeth, depois das primeiras tempestades, estão condenados ao amor conjugal. Aplausos. The end.

As consciências feministas, ou progressistas, sempre amaram a atitude de Elizabeth: nariz alto, opiniões fortes, capaz de vergar Darcy e o seu preconceito aristocrático. Elizabeth seria uma espécie de Julia Roberts em "Pretty Woman", capaz de conquistar, com seu charme proletário, um Richard Gere que fede a presunção. "Orgulho e Preconceito" seria, neste sentido, um livro anticonservador por excelência, ao contrário de "Sensibilidade e Bom Senso", onde a hierarquia social tem a palavra decisiva. Elizabeth não é boneca de luxo, disposta a suportar os mandos e desmandos do macho. Ela exige respeito. Pior: numa família com dificuldades financeiras, Elizabeth comete o supremo ultraje --impensável no seu tempo-- de recusar propostas de casamento que salvariam a sua condição e a conta bancária de toda a família. A mãe de Elizabeth, deliciosamente histérica, atravessa o romance com achaques nervosos, prostrada no sofá. Se "Orgulho e Preconceito" fosse um romance pós-moderno, a pobre mãezinha passaria metade do tempo suspirando: Esta filha vagabunda vai levar a família toda para a sarjeta!

Elizabeth não cede e triunfa. A família também. E os leitores progressistas?

Esses, não. Os leitores progressistas tendem a ler "Orgulho e Preconceito" como se existissem na trama duas personagens distintas, vindas de mundos distintos, com vícios e virtudes também distintos. Darcy contra Elizabeth, até ao dia em que o amor é mais forte. Erro. Jane Austen não era roteirista em Hollywood. E os leitores progressistas saberiam desse erro se soubessem também que o título original de "Orgulho e Preconceito" não era "Orgulho e Preconceito". Era, tão simplesmente, "Primeiras Impressões".

Nem mais. Se existe um tema central no romance, não é Elizabeth, não é Darcy. E não é, escuso de dizer, o dinheiro, a ironia dos diálogos ou a decoração de interiores. "Orgulho e Preconceito" é uma meditação brilhante sobre a forma como as primeiras impressões, as idéias apressadas que construímos sobre os outros, acabam, muitas vezes, por destruir as relações humanas.

De igual forma, "Orgulho e Preconceito" não é, como centenas e centenas de histórias analfabetas, uma história de amor à primeira vista. É, como escreveu Marilyn Butler, professora em Cambridge e a mais importante crítica de Austen, uma história de ódio à primeira vista. E a lição, a lição final, é que amor à primeira vista ou ódio à primeira vista são uma e a mesma coisa: formas preguiçosas de classificar os outros e de nos enganarmos a nós. Elizabeth despreza a arrogância de Darcy sem perceber que essa arrogância, às vezes, é uma forma de defesa: o amor assusta mais do que todos os fantasmas que habitam o coração humano. Darcy despreza Elizabeth porque Elizabeth é uma ameaça ao seu conforto social e até sentimental. Elizabeth e Darcy não são personagens distintos. Eles são, no seu orgulho e preconceito, personagens rigorosamente iguais.

Jane Austen acertou. Duplamente. Como literatura e como aviso. O amor não sobrevive aos ritmos da nossa modernidade. O amor exige tempo e conhecimento. Exige, no fundo, o tempo e o conhecimento que a vida moderna de hoje não permite e, mais, não tolera: se podemos satisfazer todas as nossas necessidades materiais com uma ida ao shopping do bairro, exigimos dos outros igual eficácia. Os seres humanos são apenas produtos que usamos (ou recusamos) de acordo com as mais básicas conveniências. Procuramos continuamente e desesperamos continuamente porque confundimos o efêmero com o permanente, o material com o espiritual. A nossa frustração em encontrar o "amor verdadeiro" é apenas um clichê que esconde o essencial: o amor não é um produto que se compra para combinar com os móveis da sala. É uma arte que se cultiva. Profundamente. Demoradamente.

Por isso, leitores desesperados e sonhadores arrependidos, leiam Jane Austen e limpem as vossas lágrimas! Primeiras impressões todos temos e perdemos. Mas o amor só é verdadeiro quando acontece à segunda vista.
João Pereira Coutinho, 29, é colunista do jornal português "Expresso". Reuniu os seus artigos no livro "Vida Independente: 1998-2003". Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

E-mail: jpcoutinho.br@jpcoutinho.com

Biografia de Rui Belo

Ruy de Moura Ribeiro Belo nasceu em 1933 em São João da Ribeira, Rio Maior.
Licenciou-se em Filologia Românica e em Direito, pela Universidade de Lisboa, e obteve o grau de doutor em Direito Canónico pela Universidade Gregoriana de Roma, com uma tese intitulada «Ficção Literária e Censura Eclesiástica».
Membro numerário do Opus Dei na juventude, rompeu com o instituto em 1961 (ano em que publicou o seu primeiro livro “Aquele Grande Rio Eufrates”) e casou com Maria Teresa Belo, de quem teve três filhos.
Exerceu, ainda que brevemente, um cargo de director-adjunto no então ministério da Educação Nacional, mas o seu relacionamento com opositores ao regime da época, a participação na greve académica de 1962 e a sua candidatura a deputado, em 1969, pelas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, levaram a que as suas actividades fossem vigiadas e condicionadas.
Foi durante algum tempo funcionário no departamento editorial da União Gráfica, repartiu-se depois entre um escritório de advocacia, como canonista, e a Universidade de Madrid, onde durante sete anos (1971-1977) foi leitor de Português, cargo preenchido com brilho invulgar, sem no entanto suscitar o mínimo interesse por parte da nossa representação diplomática. Foi também, na sua passagem pela imprensa, director literário da Editorial Aster e chefe de redacção da revista “Rumo”.
Regressado a Lisboa, Ruy Belo tentou em vão entrar para o corpo docente da Faculdade de Letras de Lisboa: na altura da sua morte ia mais uma vez concorrer a um lugar de assistente mas foi-lhe recusada essa possibilidade, e foi dar aulas na Escola Técnica do Cacém, no ensino nocturno. Faleceu em 1978, em Lisboa, vítima de ataque cárdio-vascular.
Em 1991 foi condecorado, a título póstumo, com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Sant'iago da Espada.
Os seus primeiros livros de poesia foram “Aquele Grande Rio Eufrates” (1961) e “O Problema da Habitação” (1962). Às colectâneas de ensaios “Poesia Nova” (1961) e “Na Senda da Poesia” (1969), seguiram-se obras cuja temática se prende ao religioso e ao metafísico, sob a forma de interrogações acerca da existência. É o caso de “Boca Bilingue” (1966), “Homem de Palavras(s)” (1969), “País Possível” (1973, antologia), “Transporte no Tempo” (1973), “A Margem da Alegria” (1974), “Toda a Terra” (1976) e “Despeço-me da Terra da Alegria” (1977). O versilibrismo dos seus poemas conjuga-se com um domínio das técnicas poéticas tradicionais. A sua poesia encontra-se recolhida em “Obra Poética de Ruy Belo” (volumes 1 e 2) sendo considerada uma das obras cimeiras (apesar da brevidade da vida do poeta) da poesia portuguesa contemporânea.
Apesar do seu curto período de actividade literária, Ruy Belo tornou-se num dos maiores poetas portugueses da segunda metade do século XX, tendo as suas obras sido reeditadas diversas vezes. Destacou-se ainda pela tradução de autores como Antoine de Saint-Exupéry, Montesquieu, Jorge Luís Borges e Federico García Lorca.
Em 2001, publicou-se “Todos os Poemas”.
À mulher e aos amigos, durante muitos anos, Ruy Belo foi dizendo que a sua tese para a Universidade Gregoriana de Roma estava escrita em latim. Mas «Ficção Literária e Censura Eclesiástica» é em português e figura nas «Obras completas» publicadas pela Editorial Presença sob a orientação de Joaquim Manuel Magalhães, juntamente com os ensaios de “Na senda da poesia” (1969) e um acervo de poesia inédita.
Muitos destes inéditos encontram-se dispersos por Queluz, onde Ruy Belo residia e onde morreu em Agosto de 1978, e pela Consolação, uma praia da costa de Peniche onde ele tinha um pequeno piso de férias e privou de perto com Fernandes Jorge e Magalhães, seus constantes amigos. Trata-se na maioria, de versos da juventude e apontamentos dos últimos tempos.

Muriel

Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papéis há as voltas a dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava
Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
que é um certo espanto que no espelho de manhã
distraído diviso a cara que me resta
depois de tudo quanto o tempo me levou
Eu tinha uma cidade tinha o nome de madrid
havia as ruas as pessoas o anonimato
os bares os cinemas os museus
um dia vi-te e desde então madrid
se porventura tem ainda para mim sentido
é ser a solidão que te rodeia a ti
Mas o preço que pago por te ter
é ter-te apenas quanto poder ver-te
e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Sou muito pobre tenho só por mim
no meio destas ruas e do pão e dos jornais
este sol de janeiro e alguns amigos mais
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo
pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te
Eu aprendi a ver na minha infância
vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos
e penso que se bach hoje nascesse
em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior
que esta mesma tarde num concerto ouvi
teria concebido aqueles sweet hunters
que esta noite vi no cinema rosales
Vejo-te agora vi-te ontem e anteontem
e penso que se nunca a bem dizer te vejo
se fosse além de ver-te sem remédio te perdia
Mas eu dizia que te via aqui e acolá
e quando te não via dependia
do momento marcado para ver-te
Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te
e antes de chegares já lá estavas
naquele preciso sítio combinado
onde sempre chegavas sempre tarde
ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses
se ausente mais presente pela expectativa
por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente
Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
À força de o pensar penso que não
Na melhor das hipóteses estou longe
qualquer de nós terá talvez morrido
No fundo quem nos visse àquela hora
à saída do metro de serrano
sensivelmente em frente daquele bar
poderia pensar que éramos reais
pontos materiais de referência
como as árvores ou os candeeiros
Talvez pensasse que naqueles encontros
em que talvez no fundo procurássemos
o encontro profundo com nós mesmos
haveria entre nós um verdadeiro encontro
como o que apenas temos nos encontros
que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes
Isso era por exemplo o que me acontecia
quando há anos nas manhãs de roma
entre os pinheiros ainda indecisos
do meu perdido parque de villa borghese
eu via essa mulher e esse homem
que naqueles encontros pontuais
decerto não seriam tão felizes como neles eu
pois a felicidade para nós possível
é sempre a que sonhamos que há nos outros
Até que certo dia não sei bem
ou não passei por lá ou eles não foram
nunca mais foram nunca mais passei por lá
Passamos como tudo sem remédio passa
e um dia decerto mesmo duvidamos
dia não tão distante como nós pensamos
se estivemos ali se madrid existiu
Se portanto chegares tu primeiro porventura
alguma vez daqui a alguns anos
junto de califórnia vinte e um
que não te admires se olhares e não me vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
não telefones não marques o número
ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
tu serás nessa altura jovem como agora
tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
que alaga de luz todos os olhos
que exibe o sossego dos antigos templos
e que resiste ao tempo como a pedra
que vê passar os dias um por um
que contempla a sucessão da escuridão e luz
e assiste ao assalto pelo sol
daquele poder que pertencia à lua
que transfigura em luxo o próprio lixo
que tão de leve vive que nem dão por ela
as parcas implacáveis para os outros
que embora tudo mude nunca muda
ou se mudar que se não lembre de morrer
ou que enfim morra mas que não me desiluda
Dizia que ao chegar se olhares e não me vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido.

Rui Belo

abril 03, 2006

Ser Poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca

março 30, 2006

Dores de dantes

Era um rei que tinha tudo e podia tudo. E que, por isso, estava farto. Mergulhado em tal enfado, dava-lhe para as crises de nostalgia. Um dia, a memória trouxe-lhe o sabor das tartes de framboesas silvestres que comia em criança. Mandou vir o melhor cozinheiro do reino. Queria – na realidade ele disse «quero»- provar outra vez o gosto de antigamente. Decretou que o cozinheiro confeccionasse uma tarte escrupulosamente cumpridora da receita da sua infância. Queria – «quero» – que lhe soubesse ao mesmo. Se não? cortava-lhe a cabeça. O cozinheiro respondeu que então melhor seria ir já chamando o carrasco. Por mais que ele fosse fiel à prescrição original, nenhuma tarte de framboesas silvestres lhe resgataria os mesmo sabores da infância. Consta que o rei o despediu. Sumariamente.

Ninguém se pode banhar duas vezes nas mesmas águas do mesmo rio. Não tanto porque Heraclito assim o tenha proclamado. Mas porque estão poluídos os rios da nossa infância.

Dizem que os rios arrastam consigo para o mar os reflexos dos sítios por onde passam. Também na nossa vida, vamos arrastando reflexos, sedimentos, areias para um oceano feito de memórias. Umas tão profundas que só revolvidas por uma tempestade algum dia chegarão à tona. Outras andam por ali à mão de pescar. Ou vêm dar serenamente à praia, embrulhadas nas ondas, arrastadas nas correntes: basta a vibração de um som, um cheiro especial, o sabor de um gelado, uma chuva oblíqua a bater na vidraça, um limpa-pára-brisas que guincha, tábuas de um soalho que rangem?

Jorge Luís Borges contava que, um dia, o pai lhe explicou como, na verdade, não conseguimos guardar as memórias de infância. Guardamos apenas a memória da primeira vez que nos lembramos delas. São sempre memórias em segunda mão. Memórias de memórias. Turvadas por pontos de vista de entremeio e outros pontos acrescentados. Afinal, todas as memórias são falsas. Se calhar, como os sonhos, se os contamos e os traduzimos por palavras, tiramo-los da twilight zone, tornam-se outra coisa. Ainda bem que existem fotos, registos e as cicatrizes que nos fazem acreditar que o passado existiu mesmo.

Depois há umas memórias da infância profunda que, apesar de desprezadas pela nossa consciência, continuam retidas, continuamente a dar sinal de si, continuamente a apregoar-se, apesar de serem inúteis como um noticiário de véspera. Ou inoportunas como quem tenta impingir um copo de água a um homem prestes a afogar-se. Ou estreitas, inacessíveis, difíceis de consultar como folhear o jornal em dia de temporal. E chega de metáforas. Memórias são o reino da redundância. O domínio da irrelevância. Limitam-se a estar lá e pronto. Outras acrescentam-nos qualquer coisa. Outras, ainda que remotas, fazem-nos voltar a sentir uma dor já revogada e ainda conseguem pôr-nos a chorar. São dores de dantes.

Imprudente este exercício de contemplar o poço das memórias. Se olhamos muito para ele arriscamo-nos a que ele comece a olhar muito para nós. E ficamos ali, à beira do precipício do sentimentalismo, atraídos pelo abismo de nostalgias retrógadas, ingenuamente reféns de pensamentos banais, enredados no labirinto da saudade. É que as recordações de infância, às vezes, levam-nos aonde não somos realmente chamados. Há quem diga que a melhor maneira de sair de um labirinto é ir virando, em cada encruzilhada, sempre à direita. Sem hesitar nem olhar para trás.

Há pessoas que transportam as migalhas de felicidade do passado como se fossem condecorações. E as preservam intactas, ano após ano, quem sabe até ao fim das suas vidas, com a destreza de quem carrega um ovo em cima de uma colher por montes e vales. Afinal, é aquilo que de mais adquirido temos na vida, as nossas memórias, os nossos próprios dejá vù. Esses já ninguém nos pode tirar.

Álvaro Cunhal falou em, pelo menos, duas entrevistas de uma recordação de infância que nunca mais o largou. Era miúdo, tinha uma fisga e, um dia, atirou a umas andorinhas. Acertou numa. E, orgulhoso, trouxe o troféu da batalha, inerte, pendido, a mostrar ao pai. Em lugar de lhe elogiar a pontaria, o pai repreendeu-o. Ficou-lhe para sempre a lição associada à lembrança: nunca matar uma andorinha.

São assim, desconexas, caóticas, desorganizadas, sem ficheiro definido, memórias que vão e vêm, como as associações de ideias. Sempre que pisamos o teclado preto e branco da calçada portuguesa lembramo-nos de jogos antigos de regras implacáveis e consequências mágicas. Se conseguíssemos percorrer o caminho, a contornar os desenhos, sem pisar as pedras pretas? mas havia sempre uma mão que nos puxava, que nos forçava a infringir a lei suprema dos passeios.

Sempre que viajamos no banco de trás de um carro, lembramo-nos das caretas com que brindávamos os ocupantes dos outros carros. E aquele invólucro de vidro e caixilharia metálica era o nosso escudo protector, à prova de reprimendas e do mau humor dos condutores. Sempre que olhamos o movimento pendular de um baloiço lembramo-nos de acreditar que, com mais um impulso, conseguiríamos fazer uma rotação completa de 360 graus, e a lei da gravidade ainda nem sequer tinha sido inventada.

Sempre que as formigas nos saqueiam a despensa, lembramo-nos como outrora lhes engarrafávamos os carreiros, com pedras e outros obstáculos, e lhes congestionávamos a entrada nos formigueiros. E sentíamo-nos poderosos imperadores, bastava um dedo para alvoroçar toda uma comunidade de patinhas, há um segundo atrás, ordeiras e enfileiradas.

Quando um raio de sol nos corta os cortinados, lembramo-nos de como aquele foco de luz nos revelava um universo de poeiras brilhantes e partículas voadoras, que se moviam em várias direcções? Qualquer coisa de misterioso, de extra-terrestres devia haver naquele mundo oculto, que aparecia e desaparecia, sob os caprichos das sombras. Ou das nuvens.

Os miúdos de hoje podem até não ter tempo para contemplar partículas e ácaros voadores. Mas sabem que, há meses, depois de 7 anos e 4600 milhões de quilómetros, uma cápsula espacial aterrou no deserto do Utah com um colher de café de poeiras recolhidas da cauda de um cometa. E que ficaram presas numa matéria quase etérea, o aerogel, chamada fumo azul.

Os miúdos de hoje podem não saber o que é um polícia sinaleiro. Mas todos sabem o que é um arrumador.

Os miúdos de hoje podem não saber o que é uma mercearia. Mas todos sabem o que é um hipermercado.

E questionam-nos, com olhos de assombro: como foi possível sobrevivermos a uma infância sem playstation2 nem PSP, sem game boy advanced ou o game boy SP, sem DVDs, sem GoogleEarth, sem Runscape, jogo interplanetário na internet que põe em rede miúdos de todo o mundo, sem 60 canais por Cabo, sem telemóveis tipo canivete suíço, (que servem para tudo, para além de telefonar), sem MP3s, sem ATLs no fim das aulas?

E, por puro marketing materno, nem vale a pena confessar-lhes que andávamos de bicicleta sem capacete nem cotoveleiras, que quando estávamos constipados, as nossas avós resolviam o assunto com Vick Vaporuc e uns tubos que se enfiavam no nariz e cheiravam a eucalipto (e outros bálsamos que hoje arrepiam os alergologistas), que andávamos no banco da frente dos carros, e soltos lá atrás, sem cinto, nem cadeirinha especial.

Mas enfim, lá se foi vivendo. Sem memórias. Só com futuro pela frente.

E, hoje, porque descer até às memórias não custa nada. Dispensamos o elevador. Seguimos pelas escadas. Rolantes.

In Revista Visão de 30.Mar.2006 - Por: Ana Margarida Carvalho

W. B. Yeats (trad. de Miguel Esteves Cardoso)

Se eu tivesse as sedas bordadas do céu.
Com bainhas de luz de ouro e de prata.
As sedas azuis e sombrias e escuras.
Da noite e da luz e da meia-luz.

Deitava-as todas aos teus pés.

Mas eu sou pobre e só tenho os meus sonhos.
Deitei-os todos aos teus pés
Pisa com cuidado,
É nos meus sonhos que estás a pisar.

W. B. Yeats (tradução de Miguel Esteves Cardoso)

Feira da Ladra

Romper da manhã, Feira da Ladra. Na última terça-feira fui à feira vender tralha, coisas do arco da velha que tinha para aqui a ocupar espaço e que não interessam nem ao menino Jesus, livralhada, presentes para esquecer que me foram oferecidos no Natal, enfim, bugigangas. Montei escritório junto ao gradeamento do jardim de Santa Clara, mesmo em frente à esplanada do café Panteão e ao Tribunal Militar. Instalei-me ao lado do João Vinagre, um dos vendedores mais batidos da Feira e, simultaneamente, empreiteiro da construção civil. Tratei de puxar conversa, o que não foi muito difícil. Ainda não tinha acabado a primeira frase e já ele tinha desatado a falar. Levantou-se pouco depois da cadeira, branca e de plástico como as das esplanadas, dirigiu-se à carrinha estacionada em frente, enfiou a mão no bolso de dentro do casaco e deu-me um cartão. Quando não está na feira remodela apartamentos, repara telhados, afaga soalhos, aplica flutuantes, faz envernizamentos, tectos falsos, estuques, pinturas, vidros duplos, divisórias, resguardos para banheiras e polibans, conserta estores, marquises, etc. Faz orçamentos grátis e pode-se pagar em prestações. É possível que já tenham ouvido falar dele: o Vinagre é um daqueles jeitosos que invade as nossas caixas de correio com papéis de publicidade. E é também uma das pessoas mais conhecidas da Feira da Ladra. Aliás, o Vinagre é a própria Feira da Ladra. Se eu fosse o José Gil ou o Eduardo Lourenço, diria que a Feira da Ladra é o nosso país em ponto pequeno, é um Portugal em miniatura. Está lá a Igreja, o exército, o tribunal, o hospital, a Casa Pia e, claro, a quinquilharia típica das casas portuguesas.

Se forem à Feira perguntem pelo Vinagre ou, então, pelo “otário da Feira da Ladra”. Assim mesmo, palavra de honra. O próprio Vinagre já não liga ao insulto, já não se importa, já tanto lhe faz. A história tem muito anos, remonta aos primórdios da década de 80. Ouçamo-lo, de cigarro entalado entre dois dedos: “nas obras, às vezes, apanham-se coisas que uma pessoa nem sabe o que é que tem nas mãos. Por exemplo, o lixo deixado para trás pelos antigos donos das casas que estou a remodelar. É aí que vou buscar muita coisa que depois vendo na feira: papéis velhos, brinquedos partidos, bibelôs, ferramentas e objectos de cozinha enferrujados, etc. Numa dessas casas encontrei, entre outras coisas, não sei bem se era o canhoto de um cheque, se uma cédula, uma apólice, sei lá, não quero saber e, se querem saber, tenho raiva de quem sabe, bom, era uma espécie de papel moeda que circulava na Índia. Sei é que vendi o papel por cem paus, julgando eu que estava a fazer um dinheirão. Mais tarde, num leilão, o gajo vendeu aquilo por 17 mil contos. A história até veio no jornal, na primeira página, em letras grandes: «Otário da Feira da Ladra». A partir daí nunca mais tive sossego. No princípio ainda respondia, chateava-me, chegava a vias de facto, agora não. Já tenho feito bons negócios, nada que se pareça, lá está, com os 17 mil contos do outro, mas têm compensado um pouco, como o disco de vinil dos Beatles, aquele disco todo branco [o White Album], tinha era um número de prensagem baixo, vendi-o aqui vai para dois anos. Sabem por quanto? Quinze mil euros... três mil contos, na moeda antiga. E singles? Dos Queen, por exemplo, já tenho vendido por 400 e 500 contos. Há vinis a render muito dinheiro, muitos milhares de contos. O vinil é do que se procura mais na Feira. De resto, na Feira, agora só se encontra é lixo, só se vende é lixo, não há nada que preste [teve um estremecimento de cólera, beliscou a asa do nariz e alargou o olhar pelo Largo do Mercado de Santa Clara]. Sabes onde é que ainda encontras coisas boas, coisas de valor?, em Algés, aos domingos. Hoje em dia o que é bom vende-se em Algés. Em Algés encontras as mesmas pessoas que na Feira da Ladra só que mais bem vestidas. Isto aqui é só fachada. Estão lá os mesmos gajos mas com outra personalidade. Eu só queria era que a Câmara Municipal voltasse outra vez a subsidiar obras, recuperações de prédios antigos, com o RECRIA. Há aí muito velhote a morrer e os herdeiros, quando não são conhecedores do que é bom, deixam muita coisa de valor pelo caminho. Eu às vezes deito os bancos do carro e ando aos contentores das obras, nas madrugadas de terça e de sábado. O problema é que a Câmara agora parou com o RECRIA. Sabes quem é que também tem a culpa? As lojas dos 300 e as lojas dos chineses...”

Enquanto o Vinagre continuava o monólogo, entrecortado pelo som do rádio, sintonizado na Seixal FM, eu ia olhando e inspeccionando o que ele tinha para vender. Livros vários, uns mais conhecidos, outros de que nunca ouvi falar, obras com títulos exóticos e anacrónicos, com as páginas amareladas, casca de ovo, cheirando a um pó muito velho: O Astro, de Janet Clair, o romance que serviu de base à telenovela com o mesmo nome; Ela quis viver os seus sonhos, de Luciana Peverelli; Os filhos da droga, da Christiane F. (13 anos, drogada, prostituta...); Bastardos ao Sol, do Urbano Tavares Rodrigues. Coisas tão bizarras como os Acórdãos do Tribunal da Relação de Luanda ou o Projecto de Convenção destinada a evitar as duplas tributações (edição dos cadernos de ciência e técnica fiscal). Isto para não falar do boletim mensal da Sociedade de Língua Portuguesa, do dicionário de Inglês Comercial ou dos imprescindíveis Aspectos da Produtividade na Videira e Botânica Criptogâmica. Na verdade, se quisermos perceber os hábitos de leitura dos portugueses na década de 70 e de 80, se quisermos conhecer os livros que formaram gerações de portugueses, portugueses que viveram a Guerra Colonial, o 25 de Abril, a Guerra Fria, conhecer profundamente os portugueses que hoje mandam no país, basta percorrer a Feira da Ladra. Académicos, especialistas em Antropologia, em História, em Sociologia, investigadores das Ciências Sociais, das Ciências Humanas, abandonem os gabinetes, renunciem ao conforto dos centros de investigação, larguem os livros, desamparem as bibliotecas, vão à Feira da Ladra. Está lá tudo. Os livros do Pitigrilli, do Eric Ambler, do Evan Hunter, do Edgar Wallace, os livros de guerra do Sven Hassel, os romances de Stefan Zweig e do Alexandre Dumas, os policiais de Jack Higgins e, de uma forma geral, as mais variadas edições do Círculo de Leitores ou das Selecções do Reader’s Digest. Há os clássicos do marxismo, que inundaram a década de 70, logo a seguir ao 25 de Abril: Que são as Classes e a Luta de Classes?, de A. Ermakova e V. Rátnikov, das edições Progresso, ou O Materialismo Histórico, de A. Spirkine e O. Yakhot, edição da Estúdios Cor (colecção Breviários de Cultura), isto para não referir as inesgotáveis e infatigáveis edições da Seara Nova (Porque se Revoltam os Estudantes é apenas um exemplo), as obras completas do Lénine ou a História da U. R.S. S., do camarada Louis Aragon.

Agora, como antes, os leitores portugueses sentem um grande fascínio pelos “Grandes Livros”, como O Grande Livro do Gato ou As Grandes Evasões do Passado; pelas enciclopédias, como a Enciclopédia da Vida Sexual ou O Mundo em que Vivemos; pelos fenómenos do desconhecido, como os Grandes Mistérios, A Maldição dos Faraós, O Mistério das Bermudas ainda de Pé ou Mistérios OVNI: O Que Lhe Andam a Esconder. Os leitores portugueses do que gostam mesmo é de livros com os Recordes da Natureza, livros que ensinem Como Interpretar Os Seus Sonhos ou A Linguagem do Corpo: gestos e posturas que revelam a sua personalidade. Mas como não é só de literatura que vive um homem, o João Vinagre não vende apenas livros, vende também exemplares da revista Xis, aquela distribuída aos sábados com o Público, vende postais de cinema, daqueles que qualquer bípede pode adquirir, de borla, nos cinemas do Dr. Paulo Branco, como o Monumental ou o King, vende teclados de computador, vende o word perfect para DOS, vende calculadoras, borrachas usadas, afias, bombas para encher os pneus das bicicletas, bonecos dos ovos de chocolate kinder surpresa e da PEZ, roupa em segunda mão, discos vinil, como Tonight I’m Yours, de Rod Stewart, o Hotel California, dos Eagles, ou singles dos Salada de Frutas, maçanetas, molhos de cabides a 50 cêntimos cada, carregadores e capas de telemóvel, cassetes de vídeo caseiras, com filmes gravados da TV (reparei em Cocktail, com Tom Cruise), maços de meias (sem defeito, 100% algodão), uma TV antiga, mais defunta que o Camões. “Mas trabalha com uma granda pinta e o resto é música”, disse-me o João Vinagre. Depois, limpou os lábios com as costas da mão esquerda e começou a atacar uma sandes de carne assada.

Por João Pedro George - in http://esplanar.blogspot.com/2005_04_01_esplanar_archive.html

Hoje é uma merdas: MRP

A MRP (parece que não se pode usar o nome - aliás, parece que não é nome mas sim marca registada, assim como marca de laxante ou de papel higiénico) é uma "escritora" de sucesso em Portugal... E que faz uma "escritora" quando não vende livros? Tenta proibir os livros dos outros!!! Ora toma!!! O livro, a que desejo grande sucesso, chama-se (Atenção: estou a citar, pelo que espero não violar nenhuma marca registada): Couves & Alforrecas: Os Segredos da Escrita de Margarida Rebelo Pinto. O autor a ser queimado pela Inquisição chama-se João Pedro George. A editora é Objecto Cardiaco. E é culpa deste energumero que as vendas da MRP estejam a ser o que merecem: "após a publicação de «Couves & Alforrecas: Os Segredos da Escrita de Margarida Rebelo Pinto» no «blog» Esplanar - o que deu origem a uma notícia no jornal 24 Horas -, as vendas dos livros da autora sofreram uma forte quebra. "Ora aqui está uma prova da força dos blogs!!! Um blog de que a maioria dos lusos nunca ouviu falar decide as vendas da MRP. Ela, tadinha, mais a sua editora, queixam-se de ele "«ter aproveitado do nome da pessoa para ganhar dinheiro e a ofender, o que não é justo num Estado de direito». Tambem eu quero!!! Agora que lhe chamei merdas espero ser processado e ganhar muito dinheiro!!! Merdas, merdas, merdas!!!

In Merda de País - http://merdadepais.blogspot.com

março 29, 2006

Vergonhoso...

Margarida Rebelo Pinto e "Oficina do Livro" requerem contra João Pedro George e Objecto Cardíaco uma providência cautelar não especificada com a finalidade de impedir a distribuição e venda da obra "Couves & Alforrecas: Os Segredos da Escrita de Margarida Rebelo Pinto".

Passa-se isto - pasme-se - a um mês das comemorações do 25 de Abril de 1974.

História da Fundação Eugénio de Andrade

"Há uns anos já que aos Domingos, ao principio da tarde, costumamos encontrar o Eugénio de Andrade num café perto do Jardim de S.Lázaro. Roda de amigos, pequena mas fiel, uma espécie de tertúlia à maneira do Porto antigo, que se junta cedo porque o poeta almoça pelo meio dia.

Em Fevereiro do ano passado, num desses encontros, Eugénio de Andrade falou-nos de um texto que havia escrito - uma espécie de rendição ao Porto. Apesar de nos prevenir de que talvez não coubéssemos todos na sala, fomos a sua casa, ali ao lado e, durante minutos, ouvimo-lo dizer “um estilo de ser Português”. A leitura, a qualidade do texto, a sua sensível observação do Porto tocaram-nos profundamente. Já na rua, apesar da chuva miudinha, ficámos uma boa meia hora a conversar, sobre o texto, mas também sobre o autor e o espaço em que vive. Comentamos que, noutro pais, este homem com esta obra, disporia com certeza de uma casa adequada. Em Portugal fazem-se casas–museus aos mortos. E aí resolvemos meter mãos à obra.

O Eugénio de Andrade precisava de uma casa com espaço para trabalhar, receber os amigos e estudiosos, albergar livros, quadros, cartas e manuscritos. O Porto devia-lhe: escolhera a cidade há quarenta anos para viver, os seus escritos sobre ela são dos melhores que conhecemos. Pensamos, depois, em integrar nessa casa uma instituição para estudo e divulgação da sua obra.

Mercê da boa vontade do Eng. Armando Pimentel, membro da actual vereação da Câmara, conseguimos uma entrevista com o seu Presidente, Dr. Fernando Gomes, que acolheu com entusiasmo a ideia. Também o Eugénio de Andrade, depois de alguma hesitação, acabou por aceitar a fundação que teria o seu nome, com a condição de não fazer parte dos seus corpos gerentes. Pouco tempo depois surgia a casa do Passeio Alegre. Tinha, iniciado a Fundação
Eugénio de Andrade.

In - http://www.fundacaoeugenioandrade.pt/historia_fr1.htm

março 28, 2006

Caricatura para ver em Vila Nova de Famalicão



















Inaugura na próxima sexta-feira no Centro de Estudos Camilianos, em Vila Nova de Famalicão, a exposição de André Carrilho intitulada "Linha, ponto e vírgula" a qual reúne 80 caricaturas de escritores feitas pelo autor para várias publicações nacionais e internacionais. A mostra estará patente todos os dias até 14 de Maio.

Cadernos de Pessoa disponíveis em 2007

Depois da obra de Alberto Caeiro, o Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea (ACPC) prepara-se para colocar on-line, em 2007, os cadernos de Fernando Pessoa, que incluem material diverso, desde poesia e prosa em português e inglês até referências bibliográficas e apontamentos sobre os mais variados temas, passando por horóscopos. Só depois começará a ser disponibilizado o corpus poético de Ricardo Reis, outro dos heterónimos de Pessoa. Também em 2007 será digitalizada a colecção Antero de Quental, que inclui manuscritos de sonetos e alguma correspondência, e em seguida a colecção Almeida Garrett, composta fundamentalmente por correspondência trocada com o irmão. Neste momento existe já no site da Biblioteca Nacional, além de Caeiro, o espólio de Florbela Espanca, elaborado por Fátima Lopes, responsável pelo ACPC. Trata-se, como explica o texto inicial, de «um acervo de pequena dimensão, constituído por 39 documentos, que Florbela terá "abandonado" em 1923», e que inclui manuscritos de poesia e prosa, correspondência e recortes de imprensa com artigos de Florbela Espanca ou sobre ela.

In - Jornal "Público"

Museu da Língua Portuguesa... em São Paulo (BR)

“A Estação da Luz, em São Paulo, abriga o Museu da Língua Portuguesa – inaugurado oficialmente ontem [20.Mar.2006] –, o único espaço do mundo totalmente dedicado ao idioma natural de um país. Além da interatividade e da alta tecnologia, o museu abriga um vasto conteúdo sobre linguagem, história da língua, os inúmeros idiomas que ajudaram a formá-la, as formas que ela assume no cotidiano, a criação da língua na literatura brasileira, entre outros assuntos, que são apresentados em diversas mídias e espaços do local. O projeto foi orçado em R$ 37 milhões e a realização é da Fundação Roberto Marinho e da Secretaria da Cultura do
Estado de São Paulo, com o incentivo da Lei Rouanet.

Segundo Marcello Dantas, formado em cinema e televisão pela Universidade de Nova York, diretor artístico do espaço, o projeto apresenta novo conceito. ‘Não é memorial ou biblioteca. Para se falar de língua precisamos criar um conceito diferente, que não é nem objetual, nem estanque, mas sim mutante e dinâmico. As pessoas que forem ao museu hoje irão encontrá-lo diferente amanhã. Ele fala a linguagem do século 21 e incorpora a vontade de expectador’, conta o diretor.

Em vez de passear por uma sucessão de objetos e textos presos às paredes, o público é convidado para uma viagem sensorial pelo idioma, que inclui filmes, audição de leituras e até jogos. ‘O tempo todo estamos lidando com a mistura do erudito com o popular. A língua é de todos, pode ser oral, escrita, cantada, musicada, dançada’, fala Dantas, que também é responsável pela produção da projeção da Praça da Língua e de alguns dos filmes da Grande Galeria, dois locais multimídias do museu, onde são realizadas atividades.

Na Praça da Língua, uma espécie de planetário, o público encontrará uma antologia da literatura brasileira escolhida por José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski. Textos de autores, como Gonçalves Dias, Machado de Assis e Oswald de Andrade, serão misturados a letras do cancioneiro popular. Imagens e palavras são projetadas no teto, reforçando a idéia de um planetário. Os textos são refletidos no chão, num imenso círculo feito de vidro escuro, que também contribui com a sensação de que o visitante chegou a uma praça. A antologia é ouvida na voz de narradores, como Chico Buarque, Zélia Duncan e Matheus Natchtergaele.

Além da praça, o público encontrará a Árvore da Língua, criada pelo arquiteto e designer Rafic Farah, e complementada por uma mantra de Arnaldo Antunes, que em suas folhas são projetados os contornos de vários objetos e suas raízes são formadas por diversas palavras. O Auditório vai tratar da origem da linguagem e das línguas, da multiplicidade das línguas do mundo e do fenômeno específico do português do Brasil.

Já na Grande Galeria serão exibidos 11 filmes que tratam de temas diversos sobre a linguagem. Nas Palavras Cruzadas, oito totens são dedicados às influências das línguas e dos povos que contribuíram para formar o português do Brasil. O Museu também têm espaço para a Linha do Tempo da História da Língua Portuguesa. O Beco das Palavras abriga um jogo eletrônico interativo, que permite brincar com a criação de palavras e, ao mesmo tempo, aprender sobre a etimologia dos termos. ‘Lá as palavras viram conceitos’, fala Dantas. ”

In: Jornal de Piracicaba, 21/03/006

março 27, 2006

A Distância Invisível

Já se tornou uma rotina. Antigamente eram fotógrafos, publicitários, especialistas de "marketing". Hoje estão em todo o lado. São os brasileiros. A gente entra num café, e o empregado é brasileiro. Vai à caixa pagar o estacionamento e ouve falar o português do Brasil. Compra uns sapatos e é acolhido por uma brasileira. Adquire uma revista de poesia (dou o melhor dos exemplos: "Inimigo Rumor") e encontra colaboradores portugueses e brasileiros. Compra um disco e é a voz esmagadora de Virgínia Rodrigues a cantar afro sambas. Quer aprender a ler a poesia portuguesa moderna e contemporânea, e tem um amplo volume desse leitor excepcional que é Jorge Fernandes da Silveira, intitulado "Verso com verso" (na Angelus Novus). Os brasileiros estão em todo o lado e estão naturalmente, numa verdadeira fraternidade. É verdade que mantêm laços de solidariedade entre si, e estranho seria se o não fizessem. Mas integram se plenamente na vida portuguesa, e contribuem para essa dimensão intercultural que é necessário desenvolver.

Há dias, os jornais noticiaram que se estão a criar escolas interculturais em Coimbra, Luanda e Recife, através de uma organização não governamental, a CEA, isto é, a Cooperativa de Ensino e Arte. E a CPLP (que começa a dar alguns discretos sinais de vida) dá o seu apoio. É em coisas dessas que ela justifica a sua existência. O Instituto António Sérgio também vai participar através de equipamentos e pagamento dos primeiros professores. No projecto já esboçado, poder se á ir do ensino pré escolar ao ensino superior. Para o Brasil, prevêem se escolas em Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo. O projecto é apaixonante.

Aproveitando esta vaga, uma excelente jornalista brasileira, que em Portugal foi responsável pelo projecto da "Ícone" (onde estava também Ana Sousa Dias), de nome Paula Ribeiro, lançou se agora numa admirável aventura: tentar fazer um jornal semanal para os brasileiros que estão em Portugal e para os portugueses que se interessam pelo Brasil. Já vai em mais de dez números, calculo eu, e é uma leitura muito interessante e simpática. Leve em todos os sentidos (com uma notável qualidade gráfica), mas com aquele agudo sentido de qualidade que Paula Ribeiro gosta de impor nos seus projectos.

Folheemos o n.º 9, correspondente à semana que se iniciava em 15 de Abril. A telenovela está presente na primeira página, para nos contar que, na "Celebridade", ainda havemos de ver a protagonista, a actriz Malu Mader, "grávida, presa e pobre". Mas é nos prometido um aliciante suplementar: a morte de Lineu Vasconcelos (que parece com vocação para ser assassinado) e o habitual rol de suspeitos em que o mistério apenas se desvendará no último episódio. Mas o "Correio do Brasil" tem coisas bem mais interessante: uma crónica de Alberto Dines, crónicas de jornalistas portugueses (recordemos o belo texto de Maria João Guardão), indicações sobre lugares onde comer gastronomia brasileira, um "dossier" sobre o novo disco de Caetano, a evocação do inesquecível "Morte e Vida Severina", um artigo sobre Melo Neto, e duas páginas que nos deixam em estado de graça sobre a pequena cidade de Paraty. Há ainda o desporto, os livros, e as informações relativas ao GNT. No final da leitura, estamos um pouco mais brasileiros, e espero que os brasileiros se tenham tornado um pouco mais portugueses. A distância vai se tornando invisível.

Por EDUARDO PRADO COELHO - in "Público" em 30 de Abril de 2004