março 27, 2006

A Distância Invisível

Já se tornou uma rotina. Antigamente eram fotógrafos, publicitários, especialistas de "marketing". Hoje estão em todo o lado. São os brasileiros. A gente entra num café, e o empregado é brasileiro. Vai à caixa pagar o estacionamento e ouve falar o português do Brasil. Compra uns sapatos e é acolhido por uma brasileira. Adquire uma revista de poesia (dou o melhor dos exemplos: "Inimigo Rumor") e encontra colaboradores portugueses e brasileiros. Compra um disco e é a voz esmagadora de Virgínia Rodrigues a cantar afro sambas. Quer aprender a ler a poesia portuguesa moderna e contemporânea, e tem um amplo volume desse leitor excepcional que é Jorge Fernandes da Silveira, intitulado "Verso com verso" (na Angelus Novus). Os brasileiros estão em todo o lado e estão naturalmente, numa verdadeira fraternidade. É verdade que mantêm laços de solidariedade entre si, e estranho seria se o não fizessem. Mas integram se plenamente na vida portuguesa, e contribuem para essa dimensão intercultural que é necessário desenvolver.

Há dias, os jornais noticiaram que se estão a criar escolas interculturais em Coimbra, Luanda e Recife, através de uma organização não governamental, a CEA, isto é, a Cooperativa de Ensino e Arte. E a CPLP (que começa a dar alguns discretos sinais de vida) dá o seu apoio. É em coisas dessas que ela justifica a sua existência. O Instituto António Sérgio também vai participar através de equipamentos e pagamento dos primeiros professores. No projecto já esboçado, poder se á ir do ensino pré escolar ao ensino superior. Para o Brasil, prevêem se escolas em Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo. O projecto é apaixonante.

Aproveitando esta vaga, uma excelente jornalista brasileira, que em Portugal foi responsável pelo projecto da "Ícone" (onde estava também Ana Sousa Dias), de nome Paula Ribeiro, lançou se agora numa admirável aventura: tentar fazer um jornal semanal para os brasileiros que estão em Portugal e para os portugueses que se interessam pelo Brasil. Já vai em mais de dez números, calculo eu, e é uma leitura muito interessante e simpática. Leve em todos os sentidos (com uma notável qualidade gráfica), mas com aquele agudo sentido de qualidade que Paula Ribeiro gosta de impor nos seus projectos.

Folheemos o n.º 9, correspondente à semana que se iniciava em 15 de Abril. A telenovela está presente na primeira página, para nos contar que, na "Celebridade", ainda havemos de ver a protagonista, a actriz Malu Mader, "grávida, presa e pobre". Mas é nos prometido um aliciante suplementar: a morte de Lineu Vasconcelos (que parece com vocação para ser assassinado) e o habitual rol de suspeitos em que o mistério apenas se desvendará no último episódio. Mas o "Correio do Brasil" tem coisas bem mais interessante: uma crónica de Alberto Dines, crónicas de jornalistas portugueses (recordemos o belo texto de Maria João Guardão), indicações sobre lugares onde comer gastronomia brasileira, um "dossier" sobre o novo disco de Caetano, a evocação do inesquecível "Morte e Vida Severina", um artigo sobre Melo Neto, e duas páginas que nos deixam em estado de graça sobre a pequena cidade de Paraty. Há ainda o desporto, os livros, e as informações relativas ao GNT. No final da leitura, estamos um pouco mais brasileiros, e espero que os brasileiros se tenham tornado um pouco mais portugueses. A distância vai se tornando invisível.

Por EDUARDO PRADO COELHO - in "Público" em 30 de Abril de 2004