março 16, 2006

Gustav Aschenbach era o poeta...

«(...) Gustav Aschenbach era o poeta de todos aqueles que trabalham nos limites da exaustão, que, sobrecarregados, já destroçados, ainda se têm de pé; de todos aqueles moralizadores do génio criador que, a despeito de um crescimento difícil e de escassez de recursos, conseguem, à custa de administração hábil e de prodígios de vontade, produzir, pelo menos durante algum tempo, efeitos de grandeza. Há-os em grande número, são os heróis da nossa era. E todos se retratavam na sua obra, se viam nela justificados, exaltados, cantados e reconhecidos, proclamavam bem alto o seu nome.
Bebera da juventude e imaturidade dos tempos e, mal aconselhado por eles, andara em falso, transgredira, expusera-se, faltara ao tacto e ao bom senso no discurso e na escrita. Mas ganhara a honra, a dignidade, que, segundo afirmava, é o objectivo de qualquer grande talento, para ele arrastado, desde sempre, por impulso natural. Sim, podia-se dizer que toda a sua evolução fora uma ascensão consciente e tenaz para a honra, que eliminara pelo caminho todas as inibições da dúvida e da ironia.»

Thomas Mann - A Morte em Veneza (Der Tod in Venedig)